Neste artigo para o Jornal Económico, Alice Khouri reflete sobre a urgência do combate às alterações climáticas no contexto de crises geopolíticas e sociais, destacando a importância da COP29 como um momento crucial para reafirmar compromissos e intensificar ações concretas rumo a um futuro mais sustentável.
Às vésperas da COP29, e críticas à parte quanto à eficácia, organização e o próprio país anfitrião – que são muitas, não duvide – é essencial conhecermos qual agenda, e consequentemente quais medidas, esperar da maior Conferência mundial sobre as alterações climáticas.
Vale lembrar que as COPs não são apenas Conferências. Além de fóruns de discussão com instituições públicas e privadas, Estado e membros da sociedade civil, as COPs são espaços de negociação e cooperação entre 198 países, e onde são celebrados acordos e compromissos internacionais. Apesar do que se pensa, portanto, para além da revisitação do estado da arte climático, as COPs são também oportunidades para colaboração efetiva e podem ser, como foi o caso de algumas edições históricas, berço de ações importantes.
Para esta COP29 o país anfitrião é o Azerbaijão, que em julho anunciou um pacote de 14 iniciativas que devem fazer parte do palco das discussões nos 11 dias em Baku, que abordam desde financiamento e energia, até emissões de metano e literacia climática. Mas, dentre os diversos tópicos importantes, as questões financeiras e energéticas voltam a ter algum protagonismo e vêm, ambas, com algum gap entre a ação e o que foi prometido na última COP28 em Dubai.
O financiamento climático é um dos pontos centrais desta COP29. Na COP28 vários anúncios foram feitos sobre valores a serem destinados ao financiamento climático e aos diversos fundos existentes, mas a novidade desta COP29 pelo Azerbaijão é a criação de um novo fundo (Climate Finance Action Fund – CFAF) capitalizado com contribuições de países e empresas produtoras de combustíveis fósseis nos sectores do petróleo, do gás e do carvão. Membros que aderirem a este fundo tem de comprometer a transferir contribuições anuais sob a forma de um montante fixo ou com base no volume de produção, sendo o Azerbaijão será um contribuinte fundador deste Fundo que estima um mínimo de 1 bilião de dólares para o seu arranque.
Ponto de atenção é verificar em que medida este Fundo não irá competir com outros já criados, sendo que a maior preocupação continua voltada para o fundo do Loss and Damages (para o apoio aos países ainda em desenvolvimento). Além disso, é de se refletir se um fundo deste género sugerido pelo Azerbaijão não significa, ainda que indiretamente, um incentivo ou leniência para que os produtores de combustíveis fósseis continuem sua linha de produção, em contradição ao ritmo que se precisa do phase down destes combustíveis.
Ainda no tocante ao financiamento, deve ser discutido na COP29 o “novo objetivo coletivo quantificado” (NCQG), que corresponde ao montante atualizado do novo objetivo de financiamento do clima até 2025, conforme previsto no âmbito do Acordo de Paris. Questões básicas como o montante de dinheiro que é necessário angariar (em atualização aos 100 biliões anuais de dólares previamente considerados), bem como quem deve contribuir, que tipos de financiamento devem ser introduzidos, o que deve ser financiado e qual o período de tempo que deve abranger ainda não estão definidos.
Entrando no que diz respeito à energia, o Azerbaijão anunciou também o lançamento de um “Compromisso global de armazenamento e redes de energia da COP29”, que consiste em um compromisso para eleger o armazenamento de energia como uma das pedras angulares dos sistemas energéticos globais, com o objetivo de aumentar a resiliência e a eficiência com metas globais para aumentar a capacidade 6 vezes os níveis de 2022, atingindo 1.500 gigawatts até 2030.
Interessante notar que na COP28 o objetivo de duplicar a eficiência energética até 2030 foi anunciado, em conjunto com a meta de triplicar a capacidade de produção de energia renovável. Justamente por serem objetivos interconectados e com impacto essencial para descarbonização, ao longo dos seus relatórios de 2024 a International Energy Agency (IEA) salientou a importância do investimento e ações de aumento da eficiência de infraestruturas de redes e do armazenamento, cuja falta pode comprometer todo o esforço feito em triplicar a geração de energia renovável.
Apesar de não estar no ritmo necessário, como acontece felizmente com a produção de renováveis, o objetivo de duplicar a taxa de melhoria da eficiência energética a nível mundial poderia proporcionar maiores reduções de emissões até 2030 do que qualquer outra medida. Se este ponto não for endereçado, os custos da energia para os consumidores deverão ser 8% mais elevados em 2030 do que seriam se o objetivo de duplicação da eficiência fosse plenamente atingido, e as emissões anuais 6,5 gigatoneladas (Gt) mais elevadas.
Tanto para a eficiência energética quanto para a eficaz expansão renovável são essenciais a resiliência das infraestruturas de rede e a evolução do armazenamento de energia.
Estes, assim como todos os 14 pontos anunciados, são baseados em orientações já existentes e refletem, em verdade, o acervo técnico científico consolidado ao longo dos anos, em termos de mitigação e adaptação do mundo e da economia diante das alterações climáticas e o aquecimento global. Há, contudo, aspetos nestes pontos que precisam de análise atenta, em especial quanto às formas sua operacionalização, para garantir que sejam efetivos em seus objetivos inicialmente traçados.
Para além dos pontos anunciados, a COP29 será também um momento-chave para os países apresentarem os seus planos de ação nacionais atualizados no âmbito do Acordo de Paris, que deverão ser oficialmente entregues até fevereiro de 2025.
Serão cerca de 50.000 pessoas a dedicar tempo e recursos, além de causar impacto ambiental – inclusive com muitas emissões do popular CO2 – devido aos deslocamentos mundiais para Baku. Que todo este impacto e mobilização seja compensado por avanços efetivos e uma visibilidade maior de ações concretas, o que começa pela análise e compreensão das medidas que estão na agenda.
Em tempos geopolíticos instáveis, com notórios retrocessos sociais e diversificação dos riscos aos quais a humanidade está exposta, o discurso de urgência das alterações climáticas pode perder força. É nestes momentos, mais do que nunca, que não podemos nos render ao pessimismo ou ceticismo improdutivo, mas sim reforçar a realidade evidenciada pela ciência e fazer com que nossas ações – sejam de natureza corporativa, individual ou pública – ecoem essa urgência incontornável por uma forma de produzirmos e existirmos que não seja tão nociva ao planeta.