O mundo é circular. Porquê insistirmos numa economia que não seja?

Artigo Economia circular

O cenário das alterações climáticas, e a notória urgência que atrai o debate acerca da sustentabilidade e sua implementação, é fonte de diversos números alarmantes.

Dentre todos os números que mostram o quão desafiador é a transição para um futuro sustentável, dois são especialmente alarmantes e dizem respeito à circularidade económica: nos últimos 5 anos, a discussão ao redor do tema cresceu 3x, e, no entanto, a circularidade (ou a utilização de materiais secundários consumidos pela economia global) diminuiu 21%.[1]

Diante desta tendência paradoxal, há que refletirmos: o que causa esse gap entre debate e açãoe o que podemos fazer para a circularidade ser efetiva na transição climática que estamos a endereçar e a falar tanto sobre?

Comecemos por aceitar que a urgência é múltipla e não é “só” climática. A nossa sobrevivência, nesse mundo em poli-crise (de aspetos sociais, ambientais e também económicos) depende de soluções coordenadas e integradas, pois interconectados estão os desafios. O ESG – seu grande conceito e também as obrigações corporativas deste ambiente regulatório em construção – partem dessa premissa integrada e que, diante da complexidade do caminho, exige esforços multidisciplinares e transversais. O que possibilita essa integração efetiva parte da redefinição de elementos estratégicos como: a governança das empresas, o nível de clareza e eficácia da regulação que temos como suporte e a forma como produzimos e consumimos.

Neste contexto de esforços múltiplos, e de diferentes atores, um ponto comum que por vezes é ignorado é o da circularidade. Esta deve ser integrada com todas as outras medidas em que apostamos na transição climática (como a transição energética, medidas de descarbonização e hábitos de consumo) e ser o racional básico que permeia todos estes esforços, ditando as orientações básicas como:

  1. Dedicar bastante esforços multidisciplinares na fase de desenho ou concepção das soluções e produtos – desde a fase embrionária dos projetos (seja para fazer uma cadeira ou uma hélice de turbina eólica) os pormenores da extração dos materiais que são necessários, a preocupação com o ciclo de vida útil e sua extensão ótima, a recolha ou reaproveitamento;
  2. Apostar na literacia e informação efetiva sobre o impacto dos hábitos de consumo de indivíduos, sociedade e também instituições;
  3. Garantir mecanismos e acesso a serviços de operação e manutenção dos produtos que prolonguem o tempo entre o início da sua “vida funcional” e o que seria o “fim” desta primeira expectativa de utilização;
  4. Após as utilizações possíveis – e aqui a criatividade precisa ser acompanhada da tecnologia e inovação – os programas de recolha e reaproveitamento dos materiais possíveis tem que estar na equação de forma ativa.

É sabido, pela ciência disponível[2], que as alterações climáticas de origem humana são uma consequência de mais de um século de emissões líquidas de gases com efeito de estufa resultantes da utilização linear e desenfreada dos recursos naturais, do nosso estilo de vida e dos padrões de consumo e de produção.

As reduções das emissões de CO2 provenientes de combustíveis fósseis e de processos industriais, devidas a melhorias na intensidade energética do PIB e na intensidade carbónica da energia, ainda têm sido inferiores aos aumentos das emissões resultantes do aumento dos níveis de atividade global na indústria, no aprovisionamento energético, nos transportes, na agricultura e nos edifícios. É outro “gap” que deveríamos preocupar em endereçar.

De nada adianta tratarmos a sustentabilidade como um esforço linear de descarbonização apenas, e com um pensamento de curto prazo. Muitas das soluções tidas como de zero ou baixas emissões de carbono precisam ainda ser analisadas e redesenhadas para também considerar e mitigar outras formas de impacto que criam – hoje, amanhã e ao longo de sua vida útil.

Assim como o mundo não é linear, a complexidade do nosso desafio para sobrevivência também não o é. E nem deveria ser, portanto, o modelo económico que elegemos.

[1] The Circularity Gap Report, 2024.

[2] IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change, CLIMATE CHANGE 2023 Synthesis Report.

Entrevista publicada em Forbes Portugal

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