Nos últimos cinco anos, a Leroy Merlin tem vindo a reforçar o seu compromisso com o voluntariado corporativo, evoluindo de um programa interno de grande adesão para um modelo inovador e colaborativo – o ReCria. João Lavos, líder de Impacto Positivo e Sustentabilidade na Leroy Merlin e responsável pelo programa, partilha nesta entrevista o percurso de aprendizagem da empresa, os desafios operacionais superados e as motivações que levaram à criação de um ecossistema colaborativo que junta várias organizações para potenciar o impacto social coletivo.
Como é que descreve o percurso da Leroy Merlin nos últimos cinco anos em termos de voluntariado corporativo?
João Lavos – O percurso da Leroy Merlin tem sido, acima de tudo, um percurso de aprendizagem e foi precisamente esse processo que nos trouxe até ao programa ReCria.
Começámos a desenvolver o programa de voluntariado de forma mais estruturada em 2021, e a primeira grande surpresa foi a forte tração interna que o tema teve. Quando anunciámos que todos os colaboradores poderiam usar um dia de trabalho, remunerado, para se dedicarem a uma causa social, a adesão foi imediata: logo no primeiro ano, 2.000 dos 6.000 colaboradores participaram.
Isso mostrou-nos que havia uma vontade latente, as pessoas queriam envolver-se, estavam apenas à espera que a empresa se posicionasse e criasse uma estrutura que o tornasse possível.

Em 2022, conseguimos evoluir e escalar o programa, chegando a cerca de 3.000 dias de voluntariado. No entanto, começámos a perceber que, nas operações, especialmente num contexto de forte foco em produtividade e eficiência, havia limitações estruturais. A Leroy Merlin estava (e está) a atravessar um processo de otimização de estruturas e melhoria de produtividade, e num contexto destes, temas como o voluntariado podem facilmente entrar em contracorrente com as prioridades operacionais.
A partir daí, percebemos que seria difícil continuar a crescer em impacto apenas com um modelo interno. O desafio não era apenas de motivação – as pessoas queriam participar – mas sim de condições operacionais. Muitas vezes, os colaboradores diziam: “Tenho direito ao meu dia de voluntariado, mas não consigo usá-lo porque as agendas e as estruturas da loja não o permitem.”
Foi este limite operacional que nos fez repensar o modelo. Queríamos continuar a aumentar o impacto, mas sabíamos que sozinhos seria difícil. E foi aí que nasceu o ReCria – como resposta à necessidade de ampliar o impacto através de um ecossistema colaborativo, onde várias organizações se unem para superar as limitações individuais e gerar um impacto coletivo muito maior.
Quais foram as principais conquistas e aprendizagens neste período?
João Lavos – Diria que a grande conquista foi o facto de o voluntariado ter ganho um espaço próprio dentro da Leroy Merlin. Hoje, ninguém questiona a existência de um programa de voluntariado, pelo contrário, todos dizem: “-é para manter, é para manter”.
Esse reconhecimento interno mostra que o tema passou a fazer parte da nossa cultura corporativa e da forma como as lojas se relacionam com as suas comunidades. Também alterou a perceção dos colaboradores sobre o papel da empresa na sociedade. Essa legitimidade e esse espaço estão, neste momento, consolidados.
Outra conquista importante foi o posicionamento da Leroy Merlin na esfera pública, como uma empresa que tem uma intervenção social estruturada e que contribui ativamente para a sociedade portuguesa.


Do ponto de vista operacional, aprendemos muito. Colocámos uma verdadeira “máquina” de voluntariado em funcionamento e isso não é simples numa empresa com milhares de colaboradores. Gerir milhares de dias de voluntariado e centenas de ações exige processos bem definidos e uma estrutura sólida, e hoje podemos dizer que essa engrenagem está bem montada.
No entanto, também aprendemos os limites deste modelo. Apesar de termos criado essa base sólida, percebemos que dentro de portas a capacidade de crescimento estava a esgotar-se. Já não era apenas uma questão de vontade ou de mobilização interna, mas de restrições estruturais e operacionais.
E foi precisamente esse reconhecimento – de que sozinhos não conseguiríamos aumentar o impacto – que nos levou a procurar um modelo colaborativo, o ecossistema ReCria, que vem responder a esse desafio e abrir caminho a uma nova fase do voluntariado.
O que motivou a evolução do programa interno de voluntariado para um programa colaborativo em rede, como o ReCria?
João Lavos – Existem duas motivações principais: uma interna e outra externa. Do lado interno, havia uma forte vontade de fazer crescer o impacto, mas também uma consciência das nossas limitações estruturais. Se fôssemos uma organização cujo objetivo fosse apenas financiar impacto social, o desafio seria mais simples, bastaria aumentar a dotação financeira. Mas, desde o início, definimos que queríamos “transformar com as nossas próprias mãos”, ou seja, gerar impacto através da ação direta dos nossos colaboradores.
O desafio era, portanto, operacional: queríamos envolver cada vez mais pessoas, mas as estruturas e as dinâmicas das lojas colocavam limites.
Do lado externo, à medida que fui falando sobre o ReCria e sobre o modelo de ecossistema colaborativo, percebi que outras organizações enfrentavam exatamente os mesmos desafios. Muitas queriam desenvolver programas de voluntariado, mas sentiam dificuldades de capacidade, de tempo ou de estrutura para o fazer.
Foi aí que percebi que o modelo que estávamos a desenhar não respondia apenas a uma necessidade da Leroy Merlin, mas também a uma necessidade partilhada por outras empresas e instituições. O ReCria nasce, assim, desse “mix de circunstâncias”, a vontade interna de aumentar o impacto e o reconhecimento de que esta podia ser uma solução também para os outros.
