Neste artigo de opinião para o SAPO, Alice Khouri reflete sobre os resultados da COP29 em Baku, destacando a falta de avanços decisivos na transição energética e alertando para a urgência de transformar promessas em ações concretas diante da crise climática.
Palco de muitas promessas e anúncios de iniciativas sem grande orientação de implementação.
Com o fim da COP29 em Baku, é tempo de revisitarmos o que prevalece em termos mundiais em transição energética, e onde nos levou a maior conferência sobre as alterações climáticas a nível mundial – ou onde não levou, e precisamos de ir pelas próprias pernas.
A ciência e os dados são inequívocos: 2024 não foi apenas mais um ano para as alterações climáticas. É, oficialmente, o ano mais quente de que há registo, com uma sequência de meses em que a temperatura média global do ar à superfície excedeu 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) alertou no seu último relatório que travar o aquecimento global requer, incontornavelmente, reduções rápidas e profundas das emissões de gases com efeito de estufa. Essas, por sua vez, exigem grandes transições do sistema energético, e a IEA (International Energy Agency) reforça essa urgência com os relatórios mais atualizados sobre o tema e a importância vital do sector energético para o futuro.
Apesar de vários pontos críticos, no cenário da energia a COP28 teve importância para reiterar o abandono dos combustíveis fósseis de uma forma justa, ordenada e equitativa, não obstante o texto final do balanço global (Global Stocktake) não ter mencionado a necessária expressão “phase down”.
Ainda que com textos finais tímidos, prevaleceram no ano passado objetivos específicos relacionados com a eliminação progressiva da produção ininterrupta de energia a partir do carvão, a reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis e a redução das emissões de metano. Refletindo a orientação da IEA, o grande resultado da COP28 em energia foi um compromisso entre países para triplicar a capacidade de energias renováveis e duplicar a eficiência energética, que ficou conhecido como o “UEA Consensus”.
Este ano, no Azerbaijão, a COP29 não só não avançou no tema, como retrocedeu na jornada pela transição energética.
Da leitura dos documentos finais que prevaleceram após 11 dias de discussão entre os países, as menções à redução progressiva dos combustíveis fósseis foram retiradas dos dois documentos mais importantes em matéria de mitigação climática, e abandonada a orientação do “UEA Consensus”.
Em vez do conjunto completo de medidas preconizadas pela IEA, constou somente a orientação de aumentar o armazenamento global de energia no sector da eletricidade para 1.500 GW até 2030 e aumentar a capacidade da rede através da expansão e modernização da rede global, acrescentando ou renovando 25 milhões de quilómetros de redes até 2030 e mais 65 milhões até 2040.
Embora seja importante realçar o investimento necessário em infraestruturas de rede ou armazenamento de energia, deixar de mencionar o esforço de triplicação das energias renováveis significa um retrocesso; a acrescentar, ter apagado expressamente a menção à eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é inegavelmente um passo atrás.
Outro ponto que merece atenção diz respeito à Coligação para a Eliminação Progressiva dos Incentivos aos Combustíveis Fósseis, incluindo os Subsídios (COFFIS), lançada pelos Países Baixos na COP28. A COFFIS foi criada para acelerar a eliminação progressiva dos subsídios nacionais aos combustíveis fósseis e incentivar a cooperação internacional para ajudar a manter a igualdade de condições entre os países. Os países membros que aderem à coligação comprometem-se a publicar um inventário dos seus subsídios aos combustíveis fósseis um ano após a adesão e a desenvolver um plano para os eliminar gradualmente. Mas apenas quatro – Países Baixos, Bélgica, França e Irlanda – o fizeram.
Este ano, na COP29, a UE ganhou três novos membros (Reino Unido, Nova Zelândia e Colômbia) e conta agora com 16 países membros: Áustria, o governo federal de Antígua e Barbuda, Bélgica, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Dinamarca, Finlândia, França, Irlanda, Luxemburgo, Países Baixos, Nova Zelândia, Espanha, Suíça e Reino Unido.
Apesar de a urgência climática ser literalmente “hot topic”, e de os cartazes da conferência em Baku terem como tema “manter vivo 1,5º C”, a COP29 foi palco de muitas promessas e anúncios de iniciativas sem grande orientação de implementação; não foram tomadas as decisões assertivas que precisávamos. Nem sequer para o financiamento, tema que deveria ser o foco deste ano, foram feitos avanços, tendo prevalecido um novo objetivo quantificado para ação climática de apenas 300 mil milhões por ano até 2035 – não obstante os triliões calculados e demonstrados.
É o terceiro ano consecutivo em que a presidência das COP (países anfitriões) é atribuída a países não tão exemplares – para dizer o mínimo – de uma transição verde e organização democrática e isso, naturalmente, reflete-se nos maus resultados.
Mas o lado positivo é sempre ver, mais uma vez e cada vez mais, a consolidação de uma consciência internacional em relação à agenda das alterações climáticas e os esforços multidisciplinares em prol de um objetivo global. É poder interagir com outras partes interessadas, empenhadas numa estratégia sustentável, e poder constatar que o sector privado está a dar o seu contributo.
As agências internacionais (AIE, IRENA no caso da energia) continuam a consolidar incansavelmente informações importantes e atualizadas. Num mundo caracterizado pela incerteza, são necessárias políticas claras de transição para os combustíveis fósseis, a par de políticas sólidas de energia limpa para acelerar as transições.
É hora de transformar promessas em progressos, e não podemos – nem temos tempo para – deixar os fracos resultados da cimeira moldarem as nossas ações e decisões, que devem ser baseadas na ciência e aceleradas.